Assassinatos de adolescentes na RMF aumentam 24,8 por cento

09/12/2013 16:23

Do começo do ano até hoje, nada menos, que 286 garotos e garotas menores de 18 anos foram executados

O ano de 2013 está pertinho de acabar. Faltam apenas 22 dias, mas já deixa uma triste marca nas estatísticas da Segurança Pública. A morte de dezenas de adolescentes. Pesquisa realizada pela Editoria de Polícia, baseada nos registros dos organismos policiais, aponta que, do dia 1º de janeiro até a noite de ontem (8), nada menos, que 286 adolescentes foram vítimas de homicídios dolosos (aqueles em que há a intenção deliberada de matar) na Grande Fortaleza.


altA cena tornou-se comum na periferia de Fortaleza. Menores são cruelmente executados.

Estatística

O número já supera todo o ano de 2012, quando na mesma faixa etária (de 12 a 18 anos incompletos) e no mesmo território (Fortaleza e sua região metropolitana) foram contabilizados 229 casos. Isso representa uma elevação de 24,8 por cento entre os dois anos pesquisados.

Segundo a Segurança Pública, a maioria dos crimes envolvendo menores de idade acontece nas comunidades onde a taxa de homicídio também é elevada. Em Fortaleza, se destacam nessa perversa estatística bairros como a Barra do Ceará, Jangurussu, Vicente Pinzón, Genibaú, Planalto Ayrton Senna, Praia do Futuro, Messejana, Pirambu, Bela Vista, Quintino Cunha, Vila Velha e Pirambu.

Casos de adolescentes envolvidos com o tráfico de drogas e que acabam mortos brutalmente já não são raros. Pelo contrário, fazem parte do dia a dia do noticiário dos programas policiais da tevê. Cenas de pais abraçados aos corpos de seus filho virou uma rotina neste cenário.

Do começo do ano até hoje, o mês que apresentou o maior número de assassinatos de adolescentes foi março, com 40 casos. Em seguida, setembro, quando foram contabilizados 34 homicídios na Grande Fortaleza.

Houve casos em que, de uma só vez, mais de um adolescente acabou sendo assassinado. Foi o que aconteceu, por exemplo, na tarde do último dia 25 de novembro, no bairro Mangueiral, no Município do Eusébio, quando a Polícia foi chamada para atender à uma ocorrência caracterizada como ´achado de cadáver´. Em um terreno baldio, moradores encontraram os corpos de um casal de jovens. Ambos foram mortos de forma cruel. O rapaz recebeu, pelo menos, 11 tiros à queima-roupa. Ninguém da vizinha reconheceu os mortos. A identificação oficial só aconteceu quase uma semana depois na Coordenadoria de Medicina Legal (Comel), órgão da Perícia Forense do Estado do ceará (Pefoce).

Eram os irmãos José Diogo de Sousa Nascimento, que tinha 17 anos; e Pátila Nayara de Sousa Nascimento, de apenas 14 anos. No mesmo dia, pela manhã, o rabecão recolheu na Rua Edson Martins, no bairro Granja Lisboa, o corpo de outro garoto, identificado como Carlos Sousa Moura, 16. E não ficou só nisso.

Horas depois do duplo assassinato no Eusébio, mais dois adolescentes foram assassinados na Grande Fortaleza. Um deles, mais uma garota, a estudante Ana Júlia Lima Alves, de 13 anos, morta com mais de 10 tiros na porta de casa, em Caucaia.

Especialista aponta as causas

"É uma violência racista, uma violência étnica. A juventude que morre no Brasil é negra, pobre, de periferia, sem formação escolar ou de baixa formação e moradora de periferia. E a grande maioria dos assassinatos é motivada pelo tráfico de drogas, porque o tráfico dá visibilidade, dá status, dá arma, dá uma nova relação com a comunidade, e faz com que as pessoas realizem seus desejos materiais e simbólicos de consumo".

altMovidos pela sedução do consumo ou pela dependência química, adolescentes praticam atos infracionais de diversos tipos, principalmente assaltos (roubos). Muitos são detentores de uma extensa ficha criminal na DCA.

A declaração é do advogado e presidente da Associação dos Pais e Amigos das Vítimas da Violência (Apvv), Laércio Noronha Xavier, também professor de Direito Público.

Xavier faz uma exposição sobre o assunto. Para ele, "um menino que não tem uma oportunidade econômica, quando esta lhe é dada pelo tráfico de drogas, ele envereda por esse caminho. Ele não precisa necessariamente ser o traficante, ele pode ser o vapor, o fogueteiro, mas ele é o cara que vai acertar as contas (do tráfico), ele vai brigar pelo território, brigar por espaço. O tráfico é um empreendimento econômico".

Discussão

O advogado acredita que esta é a hora de a sociedade brasileira se voltar de forma profunda no questionamento sobre a legalização das drogas.

"Fundamentalmente, a gente tem que discutir no Brasil uma nova relação com as drogas. O mundo hoje já discute isso de uma forma madura, não preconceituosa. A droga tem que ser discutida dentro de um processo da descriminalização do usuário, ela tem que ser combatida dentro da visão empresarial. O grande traficante, dono das bocas de fumo, não mora em bairro pobre, ele mora em bairro rico, tem boas condições econômicas e faz esse trabalho do tráfico de forma empregatícia".

Xavier continua, "os adolescentes são as vítimas preferenciais da violência. Por isso merecem uma atenção redobrada da sociedade. São pessoas que estão morrendo e que nós estamos querendo botar na cadeia", afirma o advogado se referindo à discussão sobre a redução da maioridade penal.

"Esse é um discurso complicado, porque é um discurso da maioria da população brasileira, que também é contra qualquer processo de descriminalização da droga. A gente precisa sair desse lugar comum, sair dessa discussão simplista e ir para uma discussão bem mais avançada. Os adolescentes que estão sendo mortos ou cooptados pelo tráfico são pessoas atraídas pela sedução do consumo. A maioria pertence a famílias desestruturadas. É a mãe com três ou quatro filhos de pais diferentes. É a mãe que está trabalhando e deixa os filhos à mercê da vizinha ou os deixa sozinho porque não dispõe e nem tem condições de pagar uma creche ou uma escola em tempo integral".

Para Xavier, essa violência que pode ser identificada sob o ponto de vista espacial, é uma violência localizada. "Se a gente tem o diagnóstico do problema, se a gente tem os dados, então, está na hora de resolvê-lo".

Tráfico de drogas motiva mortes

O envolvimento de adolescentes no tráfico de drogas e noutros delitos é o principal motivo das elevadas taxas de homicídios desta faixa etária. Conforme as autoridades, cada vez mais, os garotos com idades entre 12 e 18 anos incompletos se envolvem em delitos que têm como pano de fundo a necessidade de obter dinheiro para comprar drogas.

altJuiz Manuel Clístenes é o responsável pela aplicação de medidas aos menores infratores.

"Para obter o dinheiro necessário para comprar drogas, os menores assaltam, furtam, traficam, sequestram e até matam", conta um delegado de Polícia que preferiu se manter no anonimato. Conforme ele, somente neste ano, mais de dois mil procedimentos já foram realizados na Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) de Fortaleza.

Infracionais

Os dois mil procedimentos se referem a atos infracionais das mais diversas modalidades. No entanto, prepondera nestas estatísticas os casos de assaltos (roubos). Adolescentes também se envolvem, cada vez mais, em episódios de ´saidinhas´ bancárias e sequestros-relâmpagos em Fortaleza, principalmente.

Com a função de definir que medidas socioeducativas serão aplicadas àqueles menores que praticam atos infracionais, o juiz de Direito Manuel Clístenes e Façanha realiza, diariamente, dezenas de audiências em que ouve relatos das mais diferentes histórias de garotos envolvidos no mundo do crime. Não são raros os casos em que os adolescentes apreendidos já tiveram muitas outras passagens anteriores pela própria DCA e pelos centros destinados ao cumprimento de internação.

Há também aqueles casos mais inusitados, em que pais de adolescentes envolvidos em atos infracionais graves pedem ao juiz para que seus filhos sejam recolhidos nos centros, como forma de alívio para a família e de evitar que tais garotos sejam as próximas vítimas de assassinatos. A Reportagem também já constatou casos em que os próprios menores pedem o internamento, para não morrer na rua.

 

 

 

DIÁRIO DO NORDESTE - 09/12